04/10/2023 - Gustavo Henrique de Souza Ramos
Por Gustavo Henrique de Souza Ramos,
advogado trabalhista do escritório Telino & Barros Advogados Associados.
Contato: gustavo.ramos@telinoebarros.com.br
No começo do ano, ao apreciar a Ação
Direta de Constitucionalidade - ADI 5941 -, o Supremo Tribunal Federal declarou
a constitucionalidade do art. 139, IV, do CPC[1], dentre outros
artigos, que trata das medidas atípicas de execução. Desde então, a Justiça do
Trabalho sofreu uma onda de pedidos de suspensão de CNH e passaporte dos sócios
das empresas, no afã de que o simples inadimplemento do débito executado, ainda
que de natureza alimentar, seria suficiente para obter o provimento do pleito.
Entretanto, acertadamente, os Tribunais Regionais do Trabalho não têm permitido
essa aplicação “automática” das medidas atípicas.
Em
recente decisão proferida pelo TRT6, por exemplo, nos autos do Agravo de
Petição nº 1623-72.2015[2], a 3ª Turma do colegiado indeferiu o
pedido de suspensão de CNH e passaporte do executado, por entender que demais
elementos probatórios seriam necessários para justificar a medida:
EMENTA:
AGRAVO DE PETIÇÃO. RESTRIÇÃO/SUSPENSÃO DE CNH E PASSAPORTE. AUSÊNCIA DE
ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUE. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. As medidas pleiteadas - suspensão da CNH e
do passaporte dos sócios executados - demanda inequívoca demonstração de
elementos suficientes que a justifique, o que não se observa no caso, a exemplo
de ostentação de riquezas ou ação de forma maliciosa visando frustrar a
execução para se elidir do pagamento do débito trabalhista. Do contrário,
aludida medida se revelaria, em verdade, como mera medida punitiva, que se
mostra desprovida de adequação, razoabilidade e proporcionalidade, além de
atingir direito fundamental, consubstanciado na liberdade de locomoção dos devedores, nos termos do art. 5º,
incisos XV, da CFB/88 e art. 22 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
a qual foi promulgada pelo Decreto nº 678/1992. Ademais, observa-se que não foram exauridas todas as medidas judiciais
coercitivas e/ou de tentativas de
constrição de bens, cabendo ao interessado requerê-las no juízo de origem. Ora, a expressão "todas as medidas
indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias" contida no inciso
IV do art. 139 do CPC não pode ser interpretada de maneira irrestrita, em
desrespeito ao ordenamento jurídico, notadamente quando se trata de direitos
fundamentais do cidadão, garantidos pela Constituição Federal. Observe-se, a
propósito, o regramento contido no art. 8º do Código de Ritos: "Ao aplicar
o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem
comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a
eficiência". Agravo de petição não provido. (Grifos adicionados)
É
verdade que, com todas as vênias possíveis ao Egrégio Tribunal, é frágil e
superável o argumento de que a suspensão da CNH seria um desrespeito à
liberdade de locomoção dos devedores. Por si só, a referida medida não impede
ninguém de se locomover. Dificulta a livre locomoção que uma autorização para
dirigir possibilita, mas não impede que o executado, por exemplo, saia de casa
se utilizando de meios de transportes públicos ou alternativos, a exemplo de
Uber e similares.
Ainda
assim, feita essa pequena digressão, é acertada a posição do Tribunal Regional
do Trabalho da 6ª Região em concluir que a aplicação das medidas atípicas não
pode ser automática.
Frise-se
que este artigo não é uma ode ao “direito” de dever, nem muito menos tem a
pretensão de exaurir a discussão sobre quando seria possível ou não a aplicação
das medidas atípicas de execução, ou ainda eventuais critérios objetivos para
sua adoção.
No
entanto, passados pouco mais de sete meses da supracitada decisão do Supremo
Tribunal Federal, o avanço jurisprudencial no mesmo sentido que decidiu o TRT6
se apresenta mais próximo dos princípios regentes da fase de execução.
Quando
o STF julgou a ADI 5941, o Ministro Relator Luiz Fux perfilhou o entendimento
de que há limites inerentes ao sistema executório que se enquadram as medidas
atípicas, indicando que o magistrado
[...]
Deve respeito ao devido processo legal, ao contraditório, à proporcionalidade,
à eficiência, e, notadamente, à sistemática positivada pelo próprio CPC (arts.
1º e 8º), o qual traz pronto remédio para sanear abusos, ao estatuir o amplo
cabimento de agravo de instrumento na etapa executiva (art. 1.015, parágrafo
único).
Tal
harmonização com os limites balizados pelo ordenamento evita o uso arbitrário e
desmensurado de quaisquer medidas eleitas pelo juiz do caso concreto [...]
Ou
seja, as medidas atípicas devem não apenas guardar relação com a
proporcionalidade e contraditório, mas também com a eficiência. E, a partir
disso, tem-se que é imprescindível a instrução probatória pela parte requerente
no intuito de demonstrar que a providência requerida trará, de fato, efetividade
à execução.
Não é
crível, nem coadunaria com a própria concepção neopressualista, o fato de
adotar medidas que, se infundadas, desrespeitariam a garantia constitucional da
duração razoável do processo.
Em
outras palavras, ainda que no intuito de encontrar instrumentalidade por meio
de técnicas processuais efetivas, rápidas e adequadas à concretização da tutela
jurisdicional, a discricionariedade do magistrado na ponderação das medidas
atípicas não pode ser extensa o bastante, especialmente se inexistente a prova
da eficiência do ato, pois correria o risco de prejudicar, por via reversa,
aquilo que se pretendia proteger no início, que é o processo de
constitucionalização das garantias processuais.
É
certo que toda construção e estabilização jurisprudencial, ainda que já
existente uma declaração de constitucionalidade, leva mais tempo do que sete
meses.
A
mais, também é certo que diversas outras frentes sobre as medidas atípicas
poderão ser enfrentadas pelos Tribunais, mas por enquanto, salvo melhor
entendimento, a não aplicação automática das medidas atípicas é posição que se
impõe como protetora de diversas garantias processuais.
[1]
CPC, art. 139 - O juiz dirigirá o processo conforme
as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as
medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por
objeto prestação pecuniária
[2] TRT6 – AP: 000016237220155060005, Data de Julgamento:
05/09/2023, 3ª Turma.
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