05/07/2023 - Gustavo Henrique de Souza Ramos
Por Gustavo
Henrique de Souza Ramos, advogado trabalhista do escritório Telino & Barros
Advogados Associados. Contato: gustavo.ramos@telinoebarros.com.br
Para fins previdenciários, a equiparação do
acidente de percurso (trajeto ou in
itinere) ao acidente de trabalho é automática, conforme previsão do art.
21, IV, da Lei nº 8.213/91[1], no intuito de garantir ao trabalhador
acidentado o amparo da Previdência Social. Por outro lado, sob o turno da
responsabilidade do empregador, é imprescindível a demonstração do nexo de
causalidade, assim como exige a teoria da reparação civil.
Entretanto, especificamente sobre o acidente de
trajeto, a análise do nexo causal deve perpassar ainda por outras duas espécies
de nexos, quais sejam, o cronológico (tempo de deslocamento) e o topográfico
(trajeto habitual).
Tal fato se dá porque acaso o tempo de
deslocamento (nexo cronológico) seja substancialmente superior àquele que via
de regra o empregado utiliza no trajeto casa/trabalho ou trabalho/casa, ou
ainda caso o trajeto corriqueiramente feito (nexo topográfico) também seja
alterado de forma substancial, tem-se que o acidente de percurso estará
afastado.
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por exemplo, nos autos da Reclamação Trabalhista 0020600-26.2018.5.04.0341[2], muito bem sintetizou a relevância dos respectivos nexos, como se observa da ementa do julgado:
ACIDENTE DE TRAJETO. MOTOCICLETA UTILIZADA COMO MEIO DE TRANSPORTE DO
TRABALHADOR NO DESLOCAMENTO ENTRE O TRABALHO E A SUA RESIDÊNCIA E VICE-VERSA.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PRESENÇA DE NEXO DE CAUSALIDADE. IMPUTAÇÃO
EMPRESARIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DEVIDA.
1.
Ainda que o art. 21, IV, d da Lei
8213/91 equipare o acidente de trajeto ao acidente do trabalho, o objetivo do
seguro pago pela Previdência Social é amparar o trabalhador por ocasião do
infortúnio, enquanto que o empregador está obrigado a indenizar o trabalhador
apenas se há uma relação direta do dano com o trabalho a serviço da empresa. Portanto, a responsabilidade do empregador
fica vinculada à demonstração do nexo de causalidade, abrangendo ainda o nexo
cronológico (tempo de deslocamento) e o nexo topográfico (trajeto habitual.
2.
[...]
3.
Verificada a presença dos nexos de
causalidade, cronológico e topográfico, cabível a imputação empresarial
objetiva pelos danos sofridos pelo trabalhador com o acidente in itinere.
Indenização por dano material e moral devida.
(Grifos
adicionados)
Na doutrina, Vólia Bomfim [2021, p. 1.165][3] conceitua o acidente de trajeto como sendo “[...] o que ocorre no trajeto casa-trabalho e trabalho-casa[...] e, sobre os nexos causais, aduz que
[...]
Os tribunais têm entendido que um pequeno desvio de curso, como virar
num quarteirão fora do itinerário apenas para parar na padaria e comprar pão,
para só depois prosseguir, não impede a caracterização do acidente, pois ainda
presente o nexo causal. Para afastar o acidente é necessário um desvio
relevante no percurso, como passar na casa da namorada e ficar horas por lá ou
parar num restaurante e jantar com os amigos.
[...]
Partindo de uma análise da média de tempo em que
o funcionário rotineiramente levaria do trajeto casa-trabalho e/ou
trabalho-casa, ou ainda de uma análise de percurso rotineiramente feito nos
mesmos trajetos, haveria a possibilidade de levantar elementos capazes de
excluir a responsabilidade de reparação pelo empregador. Inclusive, tais
avaliações podem ser realizadas com o auxílio dos meios eletrônicos, a exemplo
do Google Maps.
Já há jurisprudência neste sentido, a exemplo do julgado proveniente do Egrégio TRT9, nos autos da Reclamação Trabalhista nº 0000240-58.2021.5.09.0654[4], ementada nos seguintes termos:
ACIDENTE DE TRAJETO. NEXOS CRONOLÓGICO E TOPOGRÁFICO. AVALIAÇÃO POR ESTIMATIVA
POR MEIO DE RECURSOS DISPONÍVEIS COMO O GOOGLE MAPS. A análise dos nexos cronológico e topográfico na hipótese de acidente
de trajeto, previsto no art. 21, IV, d, da Lei 8.213/91, demanda avaliação por estimativa do
julgador, tanto acerca do tempo despendido entre o endereço da residência do
trabalhador ou do local de trabalho até o do acidente, quanto ao percurso
realizado, o que deve ser feito com o auxílio dos recursos disponíveis, como o
Google Maps, ferramenta de domínio público, disponível a todos os usuários
da internet.
(Grifos adicionados)
A necessidade de que tais alterações sejam
substanciais é indispensável para a exclusão do dever de reparar, exatamente
porque como já citado acima, pequenas alterações de trajeto e mínimas variações
de tempo são insuficientes para descaracterizar o acidente de percurso e
afastar eventual obrigação de indenizar.
Dito isso, para que tais excludentes de
responsabilidade possam ser opostas como elementos de defesa em processos
judiciais, a investigação empresarial sobre os acidentes de trajeto - que via
de regra é realizada pelo setor de segurança do trabalho – deve ir um pouco
mais além do habitual, para que os nexos cronológico e topográfico possam ser
devidamente abalizados.
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[1] Lei 8.213, art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho,
para efeitos desta Lei: [...] IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que
fora do local e horário de trabalho.
[2] TRT-4 – ROT: 00206002620185040341, Data de
Julgamento: 03/09/2020, 2ª Turma.
[3] BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho: de acordo com a reforma trabalhista.
18. Ed – Rio de Janeiro; Forense; Método, 2021.
[4] TRT-9 – RORSum: 00002405820215090654, Data
de Julgamento: 02/12/2021, 7ª Turma.
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